Agora na oposição, Isabela de Roldão rebela-se contra o projeto Novo Recife
A ameaça do “Novo Recife”
Por Isabela de Roldão, vereadora do Recife pelo PDT
Como suplente do Conselho Municipal da Cidade do Recife, participei
na última quinta-feira (19), da audiência pública de apresentação da
minuta do projeto de lei que institui e regulamenta o plano específico
para o Cais de Santa Rita, Cais José Estelita e Cabanga. Confesso, que o
resultado dessa sessão muito me entristeceu.
Como sabemos, desde a Revolução Industrial, no século XIX, os grandes
centros urbanos começaram a trazer, significativos contingentes
populacionais, formados por pessoas que, em busca de novas alternativas
de vida, deslocaram-se para as cidades.
Como consequência, os problemas desses centros urbanos, assim como no
Recife, passaram a apresentar proporções preocupantes. Exigiram, desde
então, uma árdua tarefa do Poder Público na tentativa de atender com
êxito aos problemas ligados às cidades e às grandes concentrações
humanas, isto é, ajustar o espaço físico ao que é indispensável à vida
digna dos cidadãos.
A maior e mais intrigante indagação que faço à apresentação do “Novo
Recife” é: O que há de realmente NOVO para o Recife nesse projeto?
Presenciamos há mais de dez anos, lastimavelmente, um processo natural
de degradação dos imóveis antigos e, sobretudo, das áreas públicas.
Abandona-se até que um dia alguém se mobilize para que exista alguma
mudança e, infelizmente, essa transformação insurge da iniciativa
privada e consiste em construir mais um prédio de 45 andares dentro do
nosso Recife.
A chamada “zona de renovação urbana”, que a atual gestão da
prefeitura propõe, configura-se um inquestionável deletério social. O
vídeo, reproduzido na última reunião do Conselho das Cidades, 14.02, com
a expectativa de como será o resultado da implantação do projeto, é de
causar espanto em qualquer indivíduo que se preocupe e deseje o melhor
para sua cidade.
É inadmissível que, a exemplo das Torres Gêmeas erguidas no histórico
bairro do centro do Recife, outros grandes edifícios sejam instalados
na nossa cidade sem obedeça a um programa previamente estabelecido que
atenda prioritariamente ao interesse público.
O movimento, senhores, deveria atender pelo nome de “Resiste RECIFE”,
e não apenas “ESTELITA”, A CIDADE INTEIRA ESTÁ SENDO VIOLADA PELO
ABANDONO E DESCUIDO.Nossa cidade deve opor resistência e não se submeter
às tamanhas arbitrariedades.
Tomando como lição, basta observamos o que ocorre com o bairro do
Poço da Panela, na zona norte do Recife. Uma área que é considerada Zona
Especial de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural e tem,
segundo as normas vigentes, a restrição do número máximo de até oito
andares para a construção de prédios, atualmente já possui um
conglomerado de mais 16 prédios.
Porém, são justamente esses oito andares que derrubarão as casas que
fazem parte da história daquele bairro e da nossa cidade. Aos poucos,
vamos nos deixando minar pela modernidade e aceitando que é muito mais
bonito ter um prédio grande, espelhado, arborizado, do que aquele
casarão velho e caindo aos pedaços.
Outro exemplo de descaso em decorrência do processo de modernização é
a obra do Túnel da Abolição, que no dia 18 de março completará dois
anos. Estive visitando o Museu da Abolição, que está praticamente de
portas fechadas. A obra do túnel, que nunca termina, impede a entrada
dos ônibus escolares, obstando o público visitante, formado
principalmente por crianças e adolescentes estudantes da rede pública e
privada, de terem acesso ao local.
O espaço que recebia mais de sete mil visitas por ano, atualmente
registra menos que a metade, visto que as vias de acessos estão
bloqueadas. O acesso ao museu foi desprezado, ao passo que o aumento do
corredor viário objetivando a melhor e cada vez mais rápida circulação
de carros é priorizado.
É penoso encontrar uma ferramenta de ensino, aprendizagem e elevação
de cultura esquecida, inutilizada e excluída. De fato, Recife e
Pernambuco pouco se preocupam com a Educação e Cultura.
Essa é a degradação da nossa história. Aqui, Senhores, devemos
esquecer as nossas diferenças políticas, não importando o partido, a
condição de situação ou oposição. A representação do desejo de todos os
Recifenses é a nossa maior insígnia, a nossa maior defesa. Não devemos
ceder às vontades de um grupo que prospecta o crescimento imobiliário
desordenado em nossa cidade.
Além disso, precisamos refletir sobre o que estamos construindo e
deixando como herança para as novas gerações, as quais não terão a
oportunidade de conhecer o Cais Estelita, assim como não conhecerão a
Ilha do Recife, pois estará invadida por vários espigões.
As Torres Gêmeas são a maior prova disso, aquela obra horrorosa, e
que verdadeiramente está “empatando a minha vista”,ou melhor, a “nossa
vista”! E isso precisa ser revisto urgentemente.
Durante a audiência pública, convoquei toda a sociedade civil e
movimentos sociais ali representados para que eles mudem de nome e
passem a se chamar “Resiste Recife!”. Eu vejo no desafio do “Resiste
Estelita”, o desafio do “Resiste Recife”.
Por isso, trago esse tema como sinal de alerta. Não podemos dar
permissão a um projeto desta estirpe, como, infelizmente, foi aprovada a
pouco mais de um mês, aqui na Câmara a lei que permite que alguns
casarões do bairro da Boa Vista sejam demolidos.
Eu quero discutir o projeto “Novo Recife” através de uma reavaliação
de conceitos. Não podemos nos prender exclusivamente à indagação se
vamos ou não construir torres.
Devemos refletir: o que de fato desejamos para a nossa cidade? O que
eu quero registrar na história, e nos livros de história? O que a minha
geração está fazendo para evitar que o Recife vire uma nova São Paulo?
Resiste Estelita. E ampliar isso para toda a cidade, RESISTE RECIFE!
Audiência pública
Convém, ainda, observar a dinâmica da audiência pública realizada
pela Prefeitura do Recife, na última quinta-feira (19). Foi
estarrecedora. Em momento algum existiu um processo de debate para o
tema em questão discutido.
Não existiram representantes da equipe técnica e multidisciplinar
organizada pela prefeitura na ocasião. O grupo de trabalho, que é
formado por profissionais das secretárias de Mobilidade e Controle
Urbano, Cultura, Meio Ambiente e Sustentabilidade e Assuntos Jurídicos,
além da própria secretaria de Desenvolvimento e Planejamento Urbano, a
qual coordena todo o processo,deveria contrapor as propostas,
pensamentos ou argumentações técnicas sugeridas pela sociedade civil e
pelos representantes dos movimentos sociais.
Quem é a da prefeitura que vai responder? Quem é o arquiteto? O
engenheiro? O Urbanista? Quem colocará o nome nesse projeto? Onde estão
os representantes do Instituto Pelópidas Silveira com seu parecer
técnico? E a equipe multidisciplinar para aclarar as questões técnica?
Uma audiência que visou tão somente o cumprimento de protocolos.
Realizada numa quinta-feira de cinzas e no horário do expediente,
ressalta-se. Todas as questões que foram levantadas permaneceram, mais
uma vez, sem respostas.
O que presenciamos, na última quinta-feira, foi mais uma audiência
pública em que não existiu a discussão acerca do projeto, nem tampouco a
análise dos fatores positivos e negativos. E, como dizia Paulo Freire
na Pedagogia do Oprimido, “a gente está fingindo que ensina e o aluno
fingindo que aprende” e estamos brincando de faz de conta.
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